quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

O Fantástico Mundo do Cidadão Kane



Como a criação do mundo deu-se a partir do Fiat Lux, a “invenção” do Cinema também começou com luz, mas em forma de fotogramas. Desde a famosa exibição dos Irmãos Lumière no subterrâneo do Grand Café de Paris, até hoje, o Cinema passou por uma série de evoluções tecnológicas, algumas desenvolvidas com tamanha rapidez que poderíamos até nomear certas inovações técnicas como verdadeiros “saltos de evolução” do Cinema: foi assim nos anos 20 do século passado, quando inventou-se a linguagem cinematográfica e o som passou a fazer parte da “fotografia em movimento”. O próximo grande passo do Cinema foi dado num filme, ou melhor, foi um filme, sempre presente nas listas dos melhores de todos os tempos: Cidadão Kane, de Orson Welles, lançado em 1941.
Em tudo, Cidadão Kane foi inovador: ao usar atores de teatro para caprichar nas interpretações, ao “estrear” o uso da narrativa não-linear, através de flashbacks, dentre outras técnicas nunca usadas no Cinema. A própria montagem da obra, os truques de edição, os planos e ângulos de Cidadão Kane fazem deste filme algo tão fantástico quanto um espetáculo de prestidigitador.
O motor do filme é apresentado logo no começo do filme, numa seqüência de recursos inovadores, quando um velho, em seus estertores, consegue pronunciar a palavra “Rosebud”. Até aí nada demais, para nós, seres do século XXI, acostumados com uma certa linguagem no cinema; mas para os contemporâneos de Welles, o que significou tudo isso na época? Além de recursos como o travelling e a fusão de películas, a obra inova com uma fotografia cheia de sombras, que define o clima dark que o filme vai adquirindo, especialmente à medida em que Kane demonstra seu lado negro: ao fazer peripécias em proveito próprio, a sombra vai tomando conta do quadro, dominando o cenário e encobrindo o personagem.
Ao final do filme, ao vermos a fumaça fluir pela chaminé do Castelo, percebemos que Rosebud é mistério irresolvido, pelo menos para os jornalistas que buscam a verdade sobre a palavra misteriosa: só quem sabe é o espectador, a grande piada de Orson Welles. Quem contou para os jornalistas que essa foi a última palavra pronunciada por Kane, já que ele estava sozinho no quarto em seu leito de morte?
Pode ser que nem todos gostem tanto assim da história de Cidadão Kane, mas, analisando toda a sua importância, o filme é impecável. Uma obra importante para a história do cinema, um divisor de águas. É difícil definir o que é mais interessante, a história no filme ou a história do filme. Mas apesar de todas as polêmicas, o grande trunfo de Cidadão Kane é muito mais sutil do que parece: a publicidade da obra é fantástica, por vários motivos. Primeiro que Welles era muito jovem para conseguir fazer um filme com tantos recursos (Welles tinha apenas 27 anos quando o filme ficou pronto). Segundo: o próprio diretor tratou de vender bem seu peixe, não permitindo que executivos da distribuidora presenciassem filmagens, tampouco a imprensa - que ficou interessadíssima em saber que diabos era aquilo tudo! Por último, mas não menos importante: logo quando foi lançado, todo mundo reconheceu em Charles Foster Kane o (verídico) magnata do jornalismo, William Randolph Hearst, que tratou de tentar barrar de todas as maneiras a exibição do filme. Pudera! Além de se inspirar na biografia do milionário (apesar de não admitir), Welles conseguiu fazer piadas que, para Randolph, não teve graça alguma.

A pior é a tal Rosebud, que ninguém sabia o que era - mas todo mundo queria saber - e a despeito de tudo, o filme termina mas não explica. Explico agora: a inspiração de Welles veio do apelido carinhoso que Randolph dava à vagina de sua amante preferida. Aí era demais para Randolph! Como esse rapaz soube de uma intimidade como essa? Mas Welles... Ah! Welles... Nunca admitiu que tanta coincidência sempre fora mera inspiração. Pior para Randolph e melhor para nós, que podemos ver obras-primas (uh!) como essa!